sexta-feira, junho 28

Hipotermia

Já em estado de choque, a entrar em hipotermia, as larvas comem-me o cérebro que aos poucos se alisa, perde as circunvuloções que fazem dele único e dotado de lógica. Será a lógica subjectiva? Sempre que abro os olhos tentam pôr-me palas, "Não vejas aquilo que realmente interessa, distrai-te mais um bocadinho enquanto te espeto uma faca nas costas só porque sim". E assim perpetuam-se fechados, enclausurados num mar de conveniência. Como é que pessoas tão carentes e sentidas se podem destacar uma da outra como um proglote ovígero se destaca de uma ténia? Rapidamente empunham um escudo do tamanho dos seus egos e prontamente disparam balas a torto e a direito a quem nem uma faca tem. Porque o mais importante é o seu orgulho ferido, os despojos da guerra, o dote, as armas e esquecem-se do verdadeiro propósito do fosso. Uma fossa, uma cova, uma campa, uma lápide onde qualquer resquício de reconhecimento morreu enterrado vivo. E o sufoco é tanto. É imenso. É falta, é ausência, é ignorância, ganância, paranóia. E este cenário bélico passa a ser a nossa casa.

segunda-feira, maio 6

Relembrar

Perdido algures no pó cibernético, reencontro o meu baú de recordações que perduraram mais do que aquilo que lhes deu origem. E se a cada dia que passa crescemos mais um bocadinho, olhando agora para trás eu queria ser mesmo uma formiga. Day in, day out... Aos poucos perdem-se algumas peças e por vezes até mesmo órgãos inteiros. Mais à frente aprendemos que estão muito longe de serem vitais. Muito longe de cumprirem promessas, demasiado longe de tudo. E olhando para o ontem, reparamos que as células mais importantes dos nossos tecidos foram deixadas no chão, como que um rasto de pão de volta a casa no meio da floresta. E bicamos um bocadinho de cada vez até chegarmos à origem. Olhamos especados para o fundo do esquecimento e lá está. O que sempre esteve na parte de trás da nossa cabeça. O que nos faz sentir incomodados com algo que sentíamos ser tolerável. O que nos faz aperceber que por vezes a segurança não é a melhor maneira de viver. E que certamente o conformismo nunca será. Que a beleza dos eclipses está na raridade com que surgem.(Não podemos ser apagados. Não te deixes apagar.Não tenhas medo. Evolui.) Que todos os dias temos de ouvir aquela vozinha que diz "Sabes muito bem que não é esse o caminho". Às vezes desviamos-nos do trajecto, perdemo-nos por um pouco pensando que sabemos mais que o GPS interno, atravessamos aquilo que pensámos ser atalhos (que na realidade foram meras distracções, barulho de fundo, ódio escarlate) e começamos a ouvir melhor. Muito devagarinho, ouvimos a luz ao fundo. Que nos abraça o martelo, estribo e bigorna como se de uma melodia celestial se tratasse. E aproxima-se, sempre aos poucos. Aqui o vital é relembrar. Por hoje esqueço-me mais um bocado, relembrando sempre com cada vez menos dor. Mas não me esqueço.